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Mais devagar

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Sexta, 21h, recebo um email do meu contador. E um sms avisando para checar o email. E 2 minutos depois umas 3 ligações (que não atendi) para avisar que mandou email. E mais uma mensagem de whatsapp pra confirmar que estou viva mesmo. Este é só um exemplo de muitos que vivo diariamente. Todos os dias família e amigos mandam email e mensagem no fb e sms e whatsapp e instagram, tudo para garantir que eu receba a mensagem, seja ela qual for, me podando o direito de não querer/poder responder. E de tanto não querer/poder responder, eu cogitei excluir para todo sempre minhas redes sociais, para ver qual seria a forma das pessoas chegarem até mim.

Mas numa terra bem distante, num tempo que não volta mais, eu escrevia cartas, enviava para o outro lado do mundo, esperava três semanas para a pessoa receber e o tempo que ela achasse necessário para responder de volta. E aí esperava mais um pouco a resposta, a chegada pelos correios para, enfim, saborear aquelas palavras escritas com tanto cuidado. Esse tempo tem uns 15 anos e eu e mamãe trocávamos cartas quando eu vinha para o Brasil.

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Encontrei uma pasta cheia dessas palavras que, com tanta paciência, foram escritas à mão. Hoje parece relíquia, memória física de um comportamento que não existe mais, por que ninguém consegue esperar por nada (nem eu mesma), imagina por uma carta. O que a tecnologia trouxe de bom (agilidade/informação), trouxe igualmente de ruim (impaciência/ansiedade). Curioso saber que antigamente um layout publicitário demorava semanas para ser feito e os clientes sabiam esperar por ele. Hoje ninguém espera, porque o mundo tem pressa e as agências sugam seus funcionários como se criação fosse uma maratona a ser vencida. Uma marca de moda não pode mais lançar apenas uma coleção de inverno e outra de verão, tem que lançar 16 minicoleções por ano, porque o mundo tem fome de novidades todas as semanas e as pessoas perderam a capacidade de apreciar, por isso é preciso criar coisas novas o tempo inteiro e detonar toda a cadeia de produção. Uma criança não pode mais esperar pelo brinquedo do Natal, porque precisa de um novo jogo toda semana. Um adulto não pode esperar o filme chegar aos cinemas, porque precisa baixar antes e assistir e comentar no facebook.

E essa loucura se apodera de todas as relações da nossa vida: profissionais, amorosas e entre amigos. Perdemos o direito de ficar no nosso canto. Perdemos o direito de ter preguiça de responder. Perdemos o direito ao silêncio. Somos diariamente invadidos por todos os meios de comunicação e parece que se não entramos nesse universo, estamos perdendo algo inestimável. E estamos mesmo, mas é a nossa vida somente que perdemos.

Eu não sei vocês, mas eu estou meio cansada disso tudo. Podem chamar de retorno de Saturno, ou apocalipse dos 30 anos, não sei. Só sei que estou bem tentada a fugir para as montanhas e largar essa época estranha em que vivemos. A época do frenesi, da euforia, dos transtornos de ansiedade, do queremos tudo hoje, agora, neste instante. Com tantos pontos de contato com o mundo, ao invés de ampliarmos nossa percepção, vivemos na era da subsensibilidade, onde não compreendemos, não usufruímos, não amadurecemos, não saboreamos as melhores coisas da vida sem ser através de uma tela, apenas consumimos e devoramos com um fastio grotesco o que nem cabe mais em nossos estômagos. Somos diariamente tomados por uma congestão dos sentidos, por não termos o tempo e a tranquilidade para saborear cada momento.

Me pego com saudades de quando gastava meu tempo escrevendo poemas, pintando aquarelas e comendo ameixas embaixo de alguma árvore do pomar da vizinha. Me encontro com saudades de quando sobrava tempo para tudo, inclusive para não fazer nada, deitados na areia em frente ao mar e os fins de semana eram mais longos. Saudades de andar mais devagar e manter os pensamentos em forma com mais livros e menos trocas de emails. Estou obesa de uma vida esvaziada, estufada de engolir o que não me apetece, o que não me nutre. Sobrecarregada com todos os desejos que tenho, projetos que arquiteto, anseios que cultivo, sem sequer conseguir cultivar um hortinha no jardim. E todo esse excesso de peso pulando pelos meus flancos me traz uma sensação de sufoco: o mundo virou um casaco bem apertado que me comprime o peito.

Em busca de uma roupa que melhor me sirva, percebo que nenhum extra G ou plus size vai me dar espaço de respiro. Não é a roupa que tem que aumentar. Somos nós que precisamos fazer uma dieta e cortar da vida o que não alimenta os sentidos.

beijos carols


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