Quinta-feira, 3 de dezembro de 2015
Carolina, vou te chamar assim, que é como tua família te chama. Prometi que te escreveria uma carta pelos teus 30 anos – nossa, como o tempo passou rápido! – e aqui está ela, um pouco fora de hora. Devo avisar que não é uma carta sobre suas conquistas, não é uma retrospectiva dos teus maiores feitos, mas um ensaio íntimo sobre quem você realmente é hoje, aos 30 anos. E por isso te chamo de Carolina. Carol é aquela outra moça todo mundo conhece – mas não conhece – , Carolina só quem conhece sou eu, ou seja, você e é para ela que estou escrevendo hoje. Desculpa o atraso.
30 anos atrás você – no caso, eu – nasceu e seus pais nem sabiam que teriam uma menina. Escolheram o nome Carolina. E daí pra frente escolheram tantas outras coisas, mas muitas outras foi você – no caso, eu – quem escolheu.
Hoje, aos 30 anos, você não é nem de perto a mulher que esperava ser. Aos 30 anos você achava que teria sua casa própria, com um quintal e um cachorro. Que teria um emprego fixo e talvez fosse uma promissora diretora de arte, quiçá uma diretora de criação. Que estaria casada e, vejam só, no segundo filho, por que você sempre quis ser mãe cedo. Aos 30 anos você pensou que já seria adulta o suficiente para não ter inseguranças, que saberia tomar decisões sábias, que nunca mais acordaria com aqueles pesadelos infantis que te faziam amanhecer chorando. Você sonhava que, aos 30 anos, a vida estaria estável, pacata, encaminhada, com dinheiro na poupança, saúde de ferro e um bumbum bem durinho pelo hábito saudável de praticar exercícios, que você pensava que ia adquirir antes do 30 anos.
Hoje, aos 30 anos, você não é nada disso. Ouso dizer que você é o extremo oposto. Você vive de aluguel num apartamento que odeia e não tem quintal nem cachorro. Você largou seu emprego fixo e sua carreira de “promissora” diretora de arte e desistiu do sonho de ser uma diretora de criação, por que simplesmente tanta gente menos competente passou por cima de você, só por que você não é homem, nem tem cabelos brancos. E aí cansou, né? Você aprendeu que talento não é suficiente. Você não está casada e o primeiro filho não vai vir tão cedo. Todos os dias você se olha no espelho e se sente insegura. Uma menina que adquiriu rugas. Algumas vezes você chora.
Diariamente você faz escolhas terríveis – e se culpa – como comprar aquele sapato que você nunca usa com um dinheiro que você não tem e cada dia que passa você é mais consciente dos próprios defeitos que agora se acumulam não só na alma como na barriga, na bunda, nos peitos. Até hoje você acorda chorando com seus pesadelos e não tem nada que te cure, nem o abraço carinhoso do seu amor. Aos 30 você é ferida pura, zero saúde. Não tem joelho que preste, pernas que te sustentem e você adquiriu o péssimo hábito de comer porcaria pra ser feliz. O bumbum não está durinho. Seus olhos começam a acumular vincos e seu semblante vive num eterno cansaço. E você já tem 30 anos. Mas você só tem 30 anos. É um duelo.
Hoje, aos 30 anos, você acertou no amor, acertou bem, mas sente que perdeu no jogo. Ainda que suas conquistas pareçam imensas para os outros, para você existe um grande vazio que nem você compreende. É fato que você perdeu o que era vital e te trouxe até aqui: os sonhos! E hoje muita coisa que você dava valor, te incomoda. Aos 30 anos você não tem mais AQUELE sonho de vida pra perseguir, por que você nem sabe direito o que quer, sua existência virou de cabeça pra baixo de um jeito que você não sabe como colocar de volta ao prumo e esses pratos todos estão aí, sendo equilibrados ao mesmo tempo, afinal você é libriana e essa deveria ser sua especialidade. Você não sabe se é a idade cabalística, o alinhamento estranho dos planetas ou um leve desnortear que precede a escolha de um próximo caminho triunfante. Você está perdida e a vida não te oferece mapas, no máximo, pistas e você nunca teve muita paciência para charadas, convenhamos. Carolina, sem querer fazer muita poesia, você está fodida.
Mas hoje, aos 30 anos, você tem algo que exercício de bunda nenhum te daria: solidez de alma. Essa é a palavra da sua vida agora. Você é sólida, inteira. Você nunca foi tão fiel a si mesma, às suas vontades, às suas teimosias, às suas dores, às suas fraquezas, quanto agora. Você nunca foi tão assertiva, tão imperativa, tão independente, tão franca, tão frágil. Até quando seus movimentos titubeiam – e isso acontece com muita frequência – , você se segura, se recompõe, constantemente reúne seus caquinhos e segue sorrindo, por que é pra isso que temos dentes e sua mãe te ensinou a rir da própria desgraça. Cada minuto da sua vida é você quem escolhe o que vai plantar e é você quem colhe todos os frutos – os verdes, os podres e os maduros. Todos os dias você acorda com o único objetivo de superar sua própria inércia e provar sua determinação, ainda que você continue sem ir pra academia como você prometeu que faria.
Você abriu mão do conforto dos sonhos planejados pelo confronto de não saber para onde ir, mas continua indo, indo, indo. Mais do que brigar com o mundo, você brigou consigo mesma, com suas estruturas, com sua acomodação, com seu despreparo, você colocou em risco sua autoconfiança e fez ruir boa parte dessa fortaleza, mas construiu uma casca ainda mais dura. Você briga todos os dias com seu desânimo e todos os dias você acredita que o dia seguinte pode ser melhor, que a semana que vem vai ser mais incrível, que ano que vem vai ser o ano da sua vida, mesmo que você acabe o dia com a alma desgastada, perdida, pedindo colo.
Você leva seus dias assim, tateado o passo seguinte, farejando a próxima direção. Você chegou ao ponto de sequer conseguir decidir o que vai comer, por que comer não parece ser tão importante diante da enorme urgência universal que é de encontrar o eixo de si mesma. E, embora o quadro pareça patológico e desesperador, embora você sinta que sua alma está em fragalhos, cheia de remendos e novos buracos, você está mais do que viva e costura, pacientemente, sua próxima Carolina.